terça-feira, 4 de agosto de 2009

Canção do vento e da minha vida



O vento varria as folhas,
o vento varria os frutos,
o vento varria as flores...

E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de frutos, de flores, de folhas.

O vento varria as luzes,
o vento varria as músicas,
o vento varria os aromas...

E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de aromas, de estrelas, de cânticos.

O vento varria os sonhos
e varria as amizades...
o vento varria as mulheres.

E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de afetos e de mulheres.

O vento varria os meses
e varria os teus sorrisos...
o vento varria tudo!

E a minha vida ficava
cada vez mais cheia
de tudo.

Manuel Bandeira

GOSTO QUANDO CALAS.



Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.

Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.

Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.

Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longínquo e singelo.

Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.


PABLO NERUDA

Súplica



Agora que o silêncio é um mar sem ondas
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim.
Já tão longe de ti, como de mim.
Perde-se a vida, a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz, seria
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga

Flamboyant



Pousou em mim seu olhar,
puro verde, hortelã.
Sorriu, a boca rubra
fresca juventude, maçã.
 
Ao longe, verde e vermelho
era brisa em cor o Flamboyant...

Lenise Marques

Oceanos



Pelas enseadas remotas de meu ser
Nos oceanos internos de mim
Navegam belas e transparentes naus
Por mares e horizontes sem fim.

Na caravela translúcida sobre as ondas
Sobre o tombadilho, olhos na imensidão
Velas ao vento, busco a terra prometida
Eu continente, minha alma feito chão.

Após anos e anos de marítima procura
Enfim a descoberta, com imensa surpresa
Mas também com certa dose de ternura:

De que não sou ilha, istmo ou continente
Mas sim a pequena menina, só, na praia
Caminhando descalça ao sol poente.

Lenise Marques