terça-feira, 25 de janeiro de 2011

SAMPA



Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas

Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes

E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa

(Caetano Veloso)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

PURA BELEZA


Quero fazer versos belos como cânticos sacros,
Quero o olhar cativo da mulher que me enfeitiça,
Uma brisa fresca que me afague a pele, o rosto
E um riacho a riscar a verde relva da cidade.

Quero os seres todos irmanados como desejava
São Francisco em sua bondade absoluta.
Quero orquestras com pianos, violinos, clarinetes
Acordando as luzes e manhãs do meu país.

Quero a noite harmoniosa e prateada
Em cantigas tão bonitas, suaves, comoventes,
Que os olhos dessa gente vertam lágrimas.
Quero a plena volúpia varando as madrugadas
E as manhãs encontrando os poetas aturdidos
Com motivos tão vários para suas poesias.


Barão da Mata

sábado, 15 de janeiro de 2011

PALAVRAS AO VENTO

Faça eclipse de teu olhar no meu,
Encontre em meu beijo
A mansidão que te conforta
E permita-me voar... sem tirar os pés do chão.

Sou tela já preparada para os teus contornos,
Pássaro cativo a espera de tuas asas,
Vale de desejos, vertente de bem querer,
Mar sereno em busca de tuas ondas
E de tuas intensidades.
Cascatas de saudade em cada amanhecer.

Estrela cadente a procura de teu céu,
Borboleta sem bosque aguardando teu abrigo,
Beija-flor sem jardim em busca de teu mel.

Sem você o sol brilha, mas não retém calor.
Noite fica sem luar, coração chora ao relento.
Rimas não encontram versos, poesias sem amor,
Palavras contidas, rasgadas...
Lançadas sem rumo...
Jogadas ao vento.

Regina Xavier

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Se possível!



Não tente me explicar
Eu não vim com manual
Nem tão pouco sigo as cartilhas
Vá pela intuição, pelo coração
Não tema errar, não entender
Sou fragmento não tenho forma
Não me explique não me entenda
Apenas me ama se possível!

Santaroza

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Relicário

A lágrima com o brilho do cristal,
banha o teu rosto, a tua história;
a maior força do bem sobre o mal,
traça as honras da tua vitória...

O corpo, pelo tempo enclausurado,
um sacrário da mais torpe agrura;
o sonho que nunca foi realizado,
torna-se passado, nesta brandura...

Transmuta-se num renovado mel,
tão doce quanto a seiva do prazer,
tão bonito quanto ao mais belo céu...

Assim, como marco do bem querer,
cria-se a esperança nesse imaginário,
a ser guardada num fino relicário...

Oswaldo Genofre