terça-feira, 1 de setembro de 2009

Canção


Viver não dói. O que dói
é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.


Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.


Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.


Viver não dói. O que dói,
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.


Que tudo o mais é perdido.


*Emílio Moura*

Junquilhos…


Nessa tarde mimosa de saudade
Em que eu te vi partir, ó meu amor,
Levaste-me a minh’alma apaixonada
Nas olhas perfumadas duma flor.

E como a alma, dessa florzita,
Que é a minha, por ti palpita amante!
Oh alma doce, pequenina e branca,
Conserva o teu perfume estonteante!

Quando fores velha, emurchecida e triste,
Recorda ao meu amor, com teu perfume
A paixão que deixou e qu’inda existe…

Ai, dize-lhe que se lembre dessa tarde,
Que venha aquecer-se ao brando lume
Dos meus olhos que morrem de saudade!


Florbela Espanca - O Livro D’Ele