sábado, 12 de setembro de 2009

ENQUANTO A LUA


Quando a lua empurra o mar
eu beijo água que me deu vida.
Quando a lua sorri no céu
eu acendo-lhe uma despedida.

Quando a terra se espreguiça
eu espreguiço-me com ela.
Quando a terra se emociona
eu pinto-lhe uma aguarela.

Quando o vento afaga troncos
eu sorrio de alegria.
Quando o vento corre louco
eu fico louco de poesia.

Quando o fogo dança dentro
eu acendo chamas de esperança.
Quando o fogo queima novo
eu transpiro a confiança.

Quando dois lábios se tocam
eu gotejo força de paixão.
Quando dois lábios se querem
eu entrego o meu coração.


NUNO RITA

Sacode as nuvens que te pousam nos cabelos


Sacode as nuvens que te pousam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar.
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.
Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.


Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Verao


um tiro de beijos
no alvo certeiro
no fundo do peito
dos lábios - na beira
menina faceira
me devora inteiro
como pirulito
em festa de Sao Joao
dormes no mundo
e acordas no coracao
pulsando teu nome

ah, esses desvaneios
e suspiros de leao
minha féra, tigresa
nessa noite queira
beija-flor beijar
tua rosa em botao.


sergio, beija-flor-poeta

MERAS ALEGRIAS


Não fique triste!
A vida é assim,
Cheia de predegulhos,
Que nos ferem,
Que nos matam.

Poucas vezes,
Os caminhos são floridos,
Coloridos, perfumados,
Adornados pela fantasia,
Que nos faz seguir em frente.
Por vezes,
Sentimo-nos contentes.

São meras as alegrias,
Pois a ventania
Logo apaga o desenho
E o coração fica vazio,
A mercê das intempéries,
Do rigor do frio,
Da solidão implacável
Do desamor.

Resta apenas,
A certeza de que tudo passa!
Fique triste, não!
Vou te fazer um verso,
Uma canção...
Vou te arranjar um banquinho cativo
Neste meu coração.

(Genaura Tormin)

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O INESPERADO


Não há mais nada para acontecer
Nada que não seja previsto
Nada que possa surpreender
Não espanta flores nascendo nas calçadas
Não apavora estrelas novas sendo penduradas
Nem o corpo vencendo a física
Nem o cego lendo mímica
Nem a ciência na sua vã experiência e sua cara de
reticências nas coisas que o amor pode fazer...
O mais impossível era esse encontro
Entre tantos desencontros,
Entre tudo que não tinha nada a ver,
Só tinha que ser você para ser inesperado
E agora que venha o que vier
Porque de resto nada além,
Agora o que vem já é esperado

Cáh Morandi

Soneto do Amor perdido


Desejo-te toda a felicidade dos meus dias
Para que enfeites a tua vida com amores...
Só não te desejo as minhas loucas utopias
Que são quentes, às vezes vãs, e sem cores!

Por onde andar espalhe as minhas alegrias
Porque são divinas, sem regras e sem dores...
Mas não se esqueça, amor, das melancolias,
Que a dor me fere, em fragrância de flores...

A minha alma se despede do teu mundo
Alegre, mas com um sentimento profundo
Porque já não sou, amor, a sua realidade...

Eu tremo, estou em prantos, mas sou forte
Para enfrentar o momento triste da morte,
De um amor, que em mim jurou eternidade!...


(Poeta- Dolandmay)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Canção da Mulher que Escreve


Não perguntem pelo meu poema:
Nada sei do coração do pássaro
Que a música inflama.

Não queiram entender minhas palavras:
Não me dissequem, não segurem entre vidros
Essas canções, essas asas, essa névoa.
Não queiram me prender como a um inseto
No alfinete da interpretação:
Se não podem amar o meu poema, deixem
Que seja somente um poema.

(Nem eu ouso ergue-lo entre meus dedos e perturbar a sua liberdade)


Lya Luft

DIVINIZAÇÃO


Eu vou cantando aqui minhas canções
que são como resinas adoçadas
esmagachadas no correr da noite.

Vou apertando aqui os meus rosais
um meu amor e grande, em cada rosa,
um beijo meu em cada broto brando...

Eu vou cantando no correr da noite
uma cantiga por ninguém cantada...


(Pablo Neruda - do livro: O rio invisível)

terça-feira, 8 de setembro de 2009

ÁGUA DE REMANSO


Cismo o sereno silêncio:
sou: estou humanamente
em paz comigo: ternura.

Paz que dói, de tanta.
Mas orvalho. Em seu bojo
estou e vou, como sou.

Ternura: maneira funda
cristalina do meu ser.
Água de remanso, mansa
brisa, luz de amanhecer.

Nunca é a mágoa mordendo.
Jamais a turva esquivança,
o apego ao cinzento, ao úmido,
a concha que aquece na alma
uma brasa de malogro.

É ter o gosto da vida,
amar o festivo, e o claro,
é achar doçura nos lances
mais triviais de cada dia.

Pode também ser tristeza:
tranqüilo na solidão macia.
Apaziguado comigo,
meu ser me sabe: e me finca
no fulcro vivo da vida.

Sou: estou e canto.


Thiago de Mello
in " A Fruta Aberta "

As rosas


As rosas que eu colho
não são essas, frementes
na iluminação da manhã;
são, se as colho, as dum jardim contrário,
nascido desses, vossos, de sua terrosa
raiz, mas crescido inverso
como a imagem nágua;
aonde não chegam os pássaros
com seu roubo, no exasperado coração da terra,
floresce, tigre, isento de odor.

(Ferreira Gullar)

Ausência


Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.


(Sophia de Mello Breyner Andresen)

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Abelhas do Asfalto


Em todo canto há uma esperança
Em todo verde há um louva-a-deus
Em cada hino há um pedido
Em cada pedido há um farol...

Pena não ser luz que conduz
Navegantes, é luz rubra que
Para as pessoas pra verem o
Futuro vendendo balas...

"Adoce a vida em troca
De alguns trocados!"

Essa é a promessa feita
Pelas pequenas abelhas
Operárias, que vendem
O mel do sustento...

Muitas tiram pra os grãos
Outras tiram pra pedra...

Foi-se o tempo que craque
Era quem fazia muitos gols!

O que fazer se o Planalto,
Da plana cidade não faz?

Só temos que parar e ficar
Vendo o futuro vendendo balas
Pra quem passa pela via negra!


Pergentino Júnior

domingo, 6 de setembro de 2009

Madrigal Melancólico


O que eu adoro em ti
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza
O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas
O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz
O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza
O que adoro em ti lastima-me e consola-me
O que eu adoro em ti é a vida!


Manuel Bandeira

SOBREVIVÊNCIA


Ainda que cortem minhas asas
Minha imaginação seguirá voando...
Ainda que me tirem as pernas
Seguirei andando de cabeça erguida...
Ainda que me arranquem os braços
Eles estarão sempre abertos e abraçando...
Ainda que me ceguem os olhos
Continuarei enxergando amor em tudo...
Ainda que me tapem os ouvidos
Escutarei sempre o meu coração...
Ainda que me calem a boca
Levarei a minha palavra adiante...
Ainda que me tirem todo o ar
Eu respirarei poesia...e sobreviverei!

Milene Sarquissiano

"LISBOA"


Anda vem ver Lisboa
cidade do meu Outono.

Vê como tombam as folhas
na Avenida da Liberdade.

Vamos até ao Rossio?
onde se passeia a vaidade
e os senhores se enamoram
das floristas e das flores.

Mas é nos Restauradores
que os barcos se avistam no Rio
no Chiado de Pessoa
onde a Bica é mais gostosa
ali mesmo na Brasileira
aquela mesa do exílio
do Kubitschek de Oliveira.

Vem,
Vamos até ao Bairro Alto
dos botequins, da boémia
e dos enamorados unisexo
um convite ao desejo
nas mercenárias do sexo.

É a calçada do amor
desenhada a emoções
das varinas e dos pregões...


Luíza Caetano
In Lisboa In Versos

Conte a sua história ao vento


Conte a sua história ao vento,
Cante aos mares para os muitos marujos;
cujos olhos são faróis sujos e sem brilho.

Escreva no asfalto com sangue,
Grite bem alto a sua história
antes que ela seja varrida
na manhã seguinte pelos garis.

Abra seu peito em direção dos canhões,
Suba nos tanques de Pequim,
Derrube os muros de Berlim,
Destrua as cátedras de Paris.

Defenda a sua palavra,
A vida não vale nada se você
não viver uma boa história pra contar."


(Pedro Bial)

SOB O CÉU TÃO AZUL


Sob o céu tão azul que se espiritualiza,
o jardim vai fechar as pétalas das rosas
como alguém que cerrasse as pálpebras medrosas
para ver o que só no sonho se divisa...

Tudo adormece em torno...E a paisagem, mais lisa
que um esmalte, desfaz em sombras vaporosas...
Passam apenas no ar, vêm das moitas cheirosas
perfumes doces, sons de frauta pela brisa...

A noite desce e apaga as cores... E a vida
do jardim silencioso onde as luzes se enfeixam,
sobrevive somente a voz d´água, esquecida.

E sob o céu azul que se prolonga além,
fecham-se as flores, como os olhos, lentos, fecham
para ver o que só no sonho os olhos vêem...


Onestaldo de Pennafort

Rua da solidão


Eu amava aquela terra
onde as ruas eram livres
onde eu podia correr.
Dei um nome a esta rua
rua da solidão
números das ilusões.

Lá as noites eram lindas!
luar, estrelas, solidão
céu azul quase veludo
os vaga-lumes piscando
com inveja das estrelas
brilhavam pra se mostrar.

Noites enluaradas
a árvore fazia sombra
tudo ficava tão lindo!
e eu não parava de sonhar
ali eu plantei mil sonhos
e mil ilusões eu plantei
mas da rua da solidão eu sai
em outra terra fui viver
e as ilusões, e os sonhos,
não chegaram a florescer.


Terezinha C Werson

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O Poço


Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.

Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?

Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.

Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.

Pablo Neruda

Balé das Borboletas


Abro a janela e contemplo o jardim
Borboletas bailam por sobre as flores
Do fiel jardineiro são seus amores
Farfalhando suas asas num festim.

A beleza de suas cores me encanta
Deixando em suave êxtase minh’alma
Trazendo ao meu coração muita calma
Doce brisa do vento me acalanta.

Alçam vôos em busca da liberdade
Envolvo-me também em seus anseios
Levam mensagens quais pombos-correios
Da poesia cantando a felicidade.

Saltitam, percorrem livres os ares
Voam à procura da essência do amor
Guerreiras aladas vencendo a dor
Sobrevoam céleres por sobre os mares.

Neneca Barbosa

Poesia da vida


Sobre as rosas que perfumam meus caminhos
eu declino cores, sons, versos e rimas
que dormitam em gotas de sereno
que as noites ligeiramente frias vem beijar...

Em mim há só amor, inspiração e poesia
embebidas no doce ar que respiro.

Vivo a me embriagar nas sutilezas
como uma folha, apêndice de uma rosa
a completar com encanto sua beleza...

E uma suave canção vive a vibrar
alegre no meu coração...
É aquela canção que ressoa no mesmo refrão:
Que amar nunca foi e jamais será em vão.


Denise Flor©

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

É fácil trocar as palavras


É fácil trocar as palavras,
Difícil é interpretar os silêncios!
É fácil caminhar lado a lado,
Difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto,
Difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos,
Difícil é reter o calor!
É fácil sentir o amor,
Difícil é conter sua torrente!

Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição
De qualquer semelhança no fundo.


(fernando Pessoa)

Centelha ao Meu Amor"


Sou prá ti uma centelha
Sou o verso em canção
Sou poema inacabado
Sou prá ti toda emoção
Sou nada prá você!
Sou o tudo pró seu amor!

Sou uma simples poetisa!
Sou só pró seu coração...
Sou tristeza, e também alegria!
Sou tudo se comigo estás!!!
Sou uma estrofe perdida
Sou um tema em composição...

Sou quase alegria, mais
Sou dependente de você!
Sou seu sol em pleno dia
Sou também o seu luar!
Sou o passarinho cantor
Sou o teu despertar meu amor!

(Dollores)

ENTRE AS FLORES....


Me deixo ficar entre as flores...
assim te espero!
O amor maior em sua essência
e configuração, em si mesmo venero!
Talvez nem demores a vir!
Chegastes ligeiro e afinando a voz,
entoastes as sutis notas do sentir
que podes vir a ser...um bem querer!
Tens o pulso forte de quem
sabe o que quer e vai à luta.
Talvez um majestoso totem
de séculos, quem há de saber ?
Me fizestes sorrir ao dizeres:
- Recuperemos o tempo perdido.
Senti nas entrelinhas dos prazeres,
a hora do supremo amor apetecido.
Então...
me deixo ficar entre as flores...
No meio delas, te espero!


Guida Linhares

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

‘MOCIDADE’


A mocidade esplêndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa.
Que vê num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;

Essa que fez de mim Judeu Errante
Do espírito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmã tempestuosa,
- Trago-a em mim vermelha, triunfante!

No meu sangue rubis correm dispersos:
- Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!

Ama-me doida, estonteadoramente,
O meu Amor! que o coração da gente
É tão pequeno... e a vida, água a fugir...


Florbela Espanca
In: 'Charneca em flor'

SONHO COSTUMEIRO


Eu sonho-te nas ramas das videiras
como frutos dos vinhos de venturas
em rebentos de graças costumeiras
que me lavam de brisas e ternuras.

E vejo como em sonhos de pastora
tanges de mim sentidos já remidos
e me levas em sombras protetoras
à ravina de amor dos teus abrigos.

E tenho-te nas heras dos penedos
meu pássaro cantor que a ti visita
nos jardins de secretos arvoredos
onde teu sonho de mulher habita.

E fico em ti como o destino antigo
tocado para mais além da história
onde soubeste que sonhar comigo
seria o amor deixado na memória.


Afonso Estebanez

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Canção


Viver não dói. O que dói
é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.


Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.


Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.


Viver não dói. O que dói,
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.


Que tudo o mais é perdido.


*Emílio Moura*

Junquilhos…


Nessa tarde mimosa de saudade
Em que eu te vi partir, ó meu amor,
Levaste-me a minh’alma apaixonada
Nas olhas perfumadas duma flor.

E como a alma, dessa florzita,
Que é a minha, por ti palpita amante!
Oh alma doce, pequenina e branca,
Conserva o teu perfume estonteante!

Quando fores velha, emurchecida e triste,
Recorda ao meu amor, com teu perfume
A paixão que deixou e qu’inda existe…

Ai, dize-lhe que se lembre dessa tarde,
Que venha aquecer-se ao brando lume
Dos meus olhos que morrem de saudade!


Florbela Espanca - O Livro D’Ele

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Folhas de Rosa


Todas as prendas que me deste, um dia,
Guardei-as, meu encanto, quase a medo,
E quando a noite espreita o pôr-do-sol,
Eu vou falar com elas em segredo ...

E falo-lhes d'amores e de ilusões,
Choro e rio com elas, mansamente...
Pouco a pouco o perfume do outrora
Flutua em volta delas, docemente ...

Pelo copinho de cristal e prata
Bebo uma saudade estranha e vaga,
Uma saudade imensa e infinita
Que, triste, me deslumbra e m'embriaga

O espelho de prata cinzelada,
A doce oferta que eu amava tanto,
Que reflectia outrora tantos risos,
E agora reflecte apenas pranto,

E o colar de pedras preciosas,
De lágrimas e estrelas constelado,
Resumem em seus brilhos o que tenho
De vago e de feliz no meu passado...

Mas de todas as prendas, a mais rara,
Aquela que mais fala à fantasia,
São as folhas daquela rosa branca
Que a meus pés desfolhaste, aquele dia...


Florbela Espanca

Sentidos


O meio termo já não me satisfaz.
Nem pessoas máximas vazias
Nem as ínfimas cheias de mais.
Se por isso me sentencias
Se não me compreendes mais
Digo-te novamente:
É a essência que busco!
Um coração cheio de gente
E não gente cheia de razão.
Quero a carne o osso, a alma
Quero tudo intensamente.
Quero dessa louca vida calma
Desde o fruto
Até a semente!


Carolina Salcides